Por Fernando Coelho.
Abidã nunca tinha andado em um carro antes e achou a experiência empolgante. Além disso, também nunca tinha visto muitos carros na sua vida. Seu pai explicou que esses carros eram mais apropriados para andar em terrenos planos e não nas áreas montanhosas em torno de Jerusalém. No entanto, não era segredo que Salomão juntara 1.400 carros e os cavalos correspondentes para puxá-los. Muitos estavam distribuídos nas cidades dos carros.
O movimento do carro fazia Abidã sentir-se como se estivesse voando baixo sobre o chão. O condutor conduzia os cavalos lentamente pelas ruas, atento aos pedestres e aos asnos escarranchados. Mas Abidã achava que nunca tinha se movido tão rápido na vida.
Os detalhes do carro fizeram Abidã constatar que tinham vindo do Egito e ele presumiu que os cavalos também tivessem vindo daquele país. Ele acenou para as pessoas na rua e sentiu certo orgulho de ser o centro da atenção da sua vizinhança. Doze crianças corriam atrás do carro. Ele compreendia o entusiasmo delas.
O condutor era um homem alto e magro, com uma expressão grave. Ele mantinha o olhar à frente, gritando ocasionalmente: "Abram caminho. Abram caminho".
"Aonde estamos indo?", perguntou Abidã.
"Você verá."
Abidã sorriu. Tinha se acostumado com os criados pouco loquazes do rei.
"Será uma viagem longa?"
"Não, não será."
Abidã desistiu de questionar o condutor e se permitiu aproveitar cada momento de passeio. O céu estava sem nuvens, mas a fumaça dos fogareiros a lenha tingia o ar e carregava do pão e de outros alimentos.
Eles se moviam da parte norte à parte sul da cidade, em direção ao palácio. Abidã supôs que Salomão tinha enviado o carro como gesto de cortesia, para que ele não precisasse atravessar a pequena cidade a pé, como sempre tinha feito anteriormente. Essa suposição se dissipou quando o conduto desviou os cavalos do caminho principal e foi para uma rua lateral. Ali, as casas eram apenas um pouco maiores que a residência térrea que abrigava as cinco pessoas da família de Abidã.
O condutor parou na frente de uma casa de aparência simples, com típico pátio dianteiro. "O rei o espera dentro da casa."
Abidã não se moveu. "Nosso rei está nessa casa?"
"Sim. Não o deixe esperando."
Abidã desceu e em seguida o carro se afastou. No pátio, dois homens corpulentos estavam postados, cada um com uma espada ao seu lado. Guardas, pensou Abidã.
Ele abriu o portão simples do muro e entrou no pátio. Deu alguns passos até o homem mais próximo. "Sou Abidã, filho de Zera. Estou aqui para um encontro com o rei." Sua voz tremia enquanto ele permanecia na grande sombra do homem.
"Ali dentro", afirmou o guarda, apontando para a porta da casa. Abidã respirou fundo e se encaminhou para a porta, que permanecia aberta- sem dúvida, para deixar entrar a brisa matutina. Ele entrou na casa. Assim como a maioria das casa de Jerusalém, o interior estava dividido em recintos funcionais: uma área para dormir, uma área para preparação da comida e uma área de estar. O rei Salomão se reclinava diante de uma mesa longa e aplainada, apoiando-se sobre o braço direito e pegando comida das tielas com a mão esquerda. Um velho, de cabelos brancos e com expressão cansada, estava sentado em um banco, do lado oposto do rei. Abidã supôs que era o dono da casa.
Salomão levantou os olhos. "Abidã, vejo que você chegou com segurança. Gostou do passeio até aqui?"
"Sim, Majestade. Que o senhor tenha uma vida longa. O senhor prestou um grande favor enviando o carro para me buscar."
"De modo nenhum, Abidã. Foi mais fácil do que enviar um mensageiro com instruções. Além disso, alguém da sua idade sempre gosta dessas coisas."
"Espero que algum dia eu possa ser dono de um belo carro."
Salomão inclinou a cabeça. "É mesmo?" O rei observou o velho e se mostrou espantado. O velho sorriu, mas permaneceu em silêncio. "Bem, por enquanto, venha e se junte a nós. Nemuel nos pôs a mesa."
Abidã se dirigiu ao outro banco e se juntou aos dois em volta da mesa. Uma tigela de tâmaras, peixe seco e diversas fatias de pão estavam sobre a mesa. Nemuel se aprumou e verteu água misturada com vinho no copo de Abidã. O menino agradeceu.
"Esse é o garoto de quem você me falou?", disse Nemuel. "Ele parece inteligente."
Salomão sorriu. "Ele parece confuso", disse para Nemuel. Então, dirigiu a palavra a Abidã: "Você esta confuso, filho?"
"Sim, Majestade. Achei que seria levado ao seu palácio."
"Mesmo reis devem deixar os limites da sua cada de vez em quando. Quis visitar meu amigo em seu palácio."
Abidã reprimiu o desejo de rir. Sem dúvida, a casa era maior que a sua e ele percebeu que tinha diversas coisas finas, mas não era um palácio.
"Estou honrado de estar aqui."
"Ele também é educado", afirmou Nemuel, com um sorriso. Abidã pôde perceber que faltavam diversos dentes na boca do velho. Nada incomum em um homem daquela idade.
"Quando jovem, Nemuel serviu na corte de meu pai e forneceu conselhos de grande sabedoria. Conheci-o quando eu tinha mais ou menos a sua idade. Abidã. Viramos amigos. Depois que me tornei rei, Nemuel me serviu durante muitos anos."
"Mas não mais?", perguntou Abidã.
"Ele decidiu descansar. De vez em quando, faço uma visita para conversar e me aconselhar."
Abidã pegou uma tâmara e a mordeu. Observou Nemuel por um instante e, em seguida, observou o rei. Abidã já tinha suficiente experiência com o rei para saber que Salomão muitas vezes começava a lição antes de ele perceber.
"Servir ao rei deve ter sido uma honra", afirmou Abidã.
"Foi. Me orgulho do trabalho que realizei", revelou Nemuel.
A conversa mudou para as recordações de Nemuel sobre o pai de Salomão, o rei Davi, e a intriga constante que o cercou. Abidã falou pouco, esperando o momento em que o rei o colocaria em situação difícil com alguma pergunta. O tempo passou e, finalmente, Salomão se levantou do banco e se desédoi de Nemuel. Abidã seguiu o rei, ainda confuso a respeito do motivo pelo qual fora convidado para se juntar a eles em torno da mesa.
"Vamos voltar a pé para o palácio", disse Salomão.
"A pé?"
"Gosto de andar e você ainda é muito jovem. Não vai nem sentir o esforço."
"Sim, Majestade. É claro."
Quando Salomão e Abidã deixaram o pátio e pegaram a direção norte, os dois guardas passaram a segui-los de perto. Dois outros guardas, homens que Abidã não vira ao chegar, caminhavam dez passos à frente. O carro, com o condutor seguia atrás de todos.
(continua o final desse mesmo texto amanhã.)
No aguardo...
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