Por Fernando Coelho.
Abidã chegou cedo. Dessa vez ele foi apresentado ao pórtico. Embora já tivesse feito diversas visitas ao palácio, ele ainda se sentia perdido em meio a seu tamanho e complexidade. O palácio, como todos em Jerusalém sabiam, era composto por mais de um edifício. Quatro estruturas primárias constituíam a parte principal do palácio do rei. Abidã ainda tinha de conhecer os diversos quartos e áreas de serviço.
"Para a sala do trono hoje?", Abidã perguntou ao criado que o recebia em cada chegada.
"Não." O criado não disse mais nada, e Abidã acabou que não era sensato pressionar o homem.
Diversos criados se deslocavam com intensidade serena. Homens vestidos com mantos caros circulavam. Abidã evitava o contato visual. O filho de um carpinteiro não tinha o direito de contemplar homens dessa importância.
Abidã seguiu o criado a três passos de distância. Finalmente, eles alcançaram um muro exterior. Vãos de janela, cobertos com treliças de cedro, se alinhavam na partição. O criado abriu duas portas de madeira altas e grossas e Abidã se viu do lado de fora outra vez. O que ele viu diante de si tirou-lhe o fôlego.
Na primeira vez que encontrou Salomão, o rei estava em um pequeno pátio, com bancos de pedra e uma fonte. Abidã acreditou que o pátio era uma das mais belas coisas que já tinha visto- até aquele instante.
"O rei está no pórtico. Não se aproxime dele, a menos que ele o chame. Entendeu?"
"Sim, entendi."
O criado fez sinal para Abidã atravessar a soleira. O menino obedeceu. Em seguida, o criado fechou as portas. Abidã ficou sozinho, cercado por colunas de pedra muito altas, com vigas grossas de cedro transpondo a distância ente essas colunas. Em um lado havia um espelho de água raso, largo e longo. Diversos pássaros saciavam a sede na beira da água. Um pavão passeava como se reconhecesse tudo à vista. Um muro alto marcava o perímetro, construído com três camadas de pedras grandes e talhadas à mão e coberto por vigas grossas de cedro.
Abidã começou a se deslocar lentamente pelo espaço aberto. Podia sentir a doçura do ar, perfumado pelas plantas em floração. Teve a impressão de estar entrando no Jardim do Éden.
Entre as fileiras de colunas, pedras brancas niveladas e largas tinham sido colocadas, formando uma superfície plana para caminhadas.
Abidã ergueu os olhos e contemplou o longo pórtico. Na extremidade havia uma estrutura coberta e, no seu centro, uma grande cadeira, como um trono, mas mais simples. Salomão estava sentado ali. Ao seus redor reuniam-se três homens: dois mais novos que o pai de Abidã e um que parecia mais velho.
O menino avançou alguns passos até conseguir escutar as vozes, mas sem ser capaz de distinguir as palavras. O homem mais velho estava animado, apontando para os dois homens mais jovens. Em sua cadeira, Salomão inclinou-se para a frente, ouvindo atentamente o que se dizia.
Abidã se deteve, não queria se aproximar sem ser chamado. A advertência do criado repercutia em seu ouvido. Mas ele se sentia confuso. Era esperado para se encontrar e não queria se atrasar, mas tampou queria interromper o rei. Decidiu postar-se no campo de visão do rei, mas sem fazer nenhum movimento para chamar a atenção de Salomão, longe da cena que se desenrolava diante dele. Abidã optou pela paciência.
A cabeça de Salomão girava de um lado para o outro escutando os homens parados diante dele. Os dois mais jovens estavam à direita do rei; o mais velho à esquerda. Finalmente, o rei ergueu os olhos e percebeu a presença de Abidã. Levantou-se, falou alguma coisa para os três homens, fez um sinal para o lado e caminhou da área coberta para a arcada aberta. Não tinha dado três passos e criados surgiram com bandejas de comida e taças com bebida. Os três homens se serviram.
"Fiz você esperar, Abidã?"
"Muito pouco, Majestade. Pude ver que o senhor estava ocupado."
Salomão deu uma risada. Foi a primeira vez que Abidã viu o rei fazer isso.
"Sim, há muitas coisas que exige minha atenção."
"Os homens que estavam com o senhor pareciam transtornados. O senhor estava julgando uma disputa entre eles?" Abidã fez uma pausa e logo acrescentou: "Se o senhor me permite perguntar".
"Você é um bom observador, Abidã, e essa habilidade o ajudará muito."
"Obrigado, Majestade."
"Você também está errado."
"Errado?"
Salomão pôs a mão no ombro do garoto, orientando-o pelo caminho de pedra entre os pilares. "Eles estão em disputa, mas não como a que você viu dias atrás. Eles trabalham para mim."
"Compreendo."
"Ainda não, mas compreenderá." Salomão caminhou até o espelho de água e se sentou à beira dele. Abidã se juntou ao rei. "O que você notou em relação aos três homens?"
"Um parece velho e dois são mais novos."
"Parece velho?" Salomão voltou o olhar para o caminho de pedra e dirigiu a atenção para os homens. "Sim, ele parece velho por um motivo: ele é velho."
"Não pretendi desrespeita-lo", disse Abidã.
"Ele se sente orgulhoso da sua idade, como deveria se sentir. Seu nome é Jada e ele é um dos meus principais construtores. Você já ouviu falar do aqueduto que estou construindo?"
"Sim, Majestade. Todo o reino sabe disso."
"Jada, é o responsável pela sua construção. Os outros dois homens são seus assistentes."
"Mas eles discutem com ele?"
"Eles estão entusiasmados com o trabalho. O aqueduto permanecerá por longo tempo depois que todos nós tivermos seguido o caminho dos nossos pais."
Abidã dirigiu os olhos para baixo. A ideia de um tempo após a morte do rei Salomão o entristeceu.
"Enoque e Shobi têm uma nova ideia sobre como transpor um pequeno vale. Eles querem mudar o curso do aqueduto. Jada acha que não é uma boa decisão. Eu concordei com Enoque e Shobi, mas Jada disse que estou errado."
A revelação surpreendeu Abidã. "Esse homem disse que o senhor está errado?" O senhor é o homem mais sábio que já existiu."
"Você acha que um homem sábio está sempre certo?"
Abidã reconheceu a mudança de tom. A lição tinha começado. Após pensar um pouco, ele entendeu que a lição começara no momento em que havia chegado. "Sempre achei isso, Majestade."
"Um homem sábio é um homem que escuta a sabedoria dos outros. Jada me deu bons conselhos ao longo dos anos."
"Mas, Majestade, o senhor disse que concordou com a opinião dos outros dois homens."
"Eu disse isso, Abidã, mas descobri algumas coisas. O que vou lhe dizer agora, direi como um segredo. Você não deve repetir as palavras. Posso confiar em você?"
"Sim, Majestade."
"A alteração do curso planejado do aqueduto afetaria as propriedades de diversas pessoas. Teríamos de comprar essas terras. As famílias de Enoque e Shobi se beneficiariam da compra de suas propriedades. Sem dúvida, parte do lucro iria para Enoque e Shobi."
"Então eles ficariam ricos."
"Exatamente."
Abidã refletiu por um momento. "Eles o aconselharam a fazer algo que beneficiaria somente eles?"
"Não somente. Há certa sabedoria na sugestão deles, mas a motivação de ambos não tem nada a ver com a construção do melhor aqueduto possível. Antes de descobrir o plano de Enoque e Shobi, acreditei que eles me ofereciam um conselho sábio. Então, Jada me contou. Qual é a lição que você tira disso?"
"Nunca minta ao rei."
Salomão voltou a dar uma risada. "Certo, mas sua resposta não é suficiente. Aprenda este provérbio: 'Por falta de conselhos se frustram propósitos, mas quando conselheiros são consultados, eles se tornam realidade'." (Provérbios, 15:22)
Abidã deixou sua mente processar as palavras. "O homem sábio sabe que a sabedoria se encontra no conselho dos outros."
"Você está ficando bom nisso, Abidã. Você tem razão, mas ainda falta algo. Lembre-se: Enoque e Shobi me aconselharam e o conselho deles, a principio pareceu muito consistente."
"Mas o senhor descobriu que eles tinham algo a ganhar em virtude do conselho que deram."
"Perfeitamente. Jada deu um bom conselho e sua motivação era o sucesso do nosso projeto e nada mais. Eu paguei muito bem a ele pelo seu trabalho. Ele não precisa me enganar."
"Então, Majestade, o conselho é melhor quando vem de alguém que é sábio e não é ganancioso."
"Certo. O homem sábio descobre em quem pode confiar e só então escuta o conselho." Salomão se ergueu. "Tenho de retornar."
"Majestade, posso perguntar o que acontecerá com Enoque e Shobi?"
"Não", respondeu o rei.
Abidã sentiu como se o olhar de Salomão pudesse atravessá-lo.
Gostei realmente, mas como eu to mais demente do que o normal, eu vou ler de novo depois, to meio estranho !!!!
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