Sempre nos deparamos com indivíduos que temem a face obscura da Deusa. Indivíduos estes, que jamais mergulharam nas sombras de sua alma.
Fugindo do dualismo monoteísta revelado, onde obrigatoriamente o que não é bem é mal, e o que não é luz são trevas, vamos encontrar na divindade – e em nós mesmos – um lado obscuro que é pouco conhecido (ou mesmo desconhecido), sem necessariamente ser mau ou negro. Muitas vezes o lado desconhecido, tanto da deusa como o nosso, pode ser luminoso. O que não podemos esquecer é que luz demais também cega.
O aspecto menos compreendido da Grande Mãe – e, por isso, o mais temido – é a Deusa Negra, a Face Ceifadora. Assim como a Donzela, a Mãe e a Anciã regem etapas do eterno ciclo da vida – do nascimento, amadurecimento e do declínio, a Deusa Negra encerra o ciclo e representa a decomposição e a morte.
Como Ceifadora, ela é a destruidora de tudo que esgotou seu tempo, de tudo que cumpriu sua finalidade e não serve mais. É ela quem limpa a terra após a colheita para o repouso necessário à germinação de novas sementes.
MAS ELA NÃO É MESMO MÁ?
Calma, pequeno gafanhoto, se você está preocupado se precisará fazer alguma magia negra ou sacrificar um bode preto, fique tranquilo! Lembre-se do Arcano XIII (13) do tarô: A Morte. Ela dita que é hora de pormos os pingos nos ‘i’s, de por ponto final nas frases. Diz que é hora de uma mudança brusca, algo irremediável e que não poderá voltar atrás. Diz que precisamos limpar a nossa vida do que já não é mais necessário ou preciso; do que está atrasando a nossa evolução.
Pois bem, com a Lua Negra é igual. Num ritual para estas Deusas você pode pedir para que elas te ajudem a arrancar de sua vida o que está te mantendo preso no mesmo lugar (até mesmo água parada fica podre, imagina energia). Muitas vezes isso é um processo doloroso, pois o que nos atrapalha pode ser um ente querido, um amigo, um familiar, um lugar, um emprego, enfim, e o ser humano é um bicho cômodo por natureza. Isso é um dos motivos pelas pessoas terem medo de ter contato com essa Face.
Um altar para uma deusa Negra deve ter, principalmente (porque, na verdade, os instrumentos vão depender muito de com qual Deusa você está trabalhando) o caldeirão, o athame, uma imagem que represente a Deusa, velas preta/vermelha/branca, uma taça de vinho (pode ser suco de uva). Algumas pessoas colocam penas pretas de corvo, mas não é uma regra.
O Universo gira em torno do equilíbrio, correto? Não existe luz sem trevas, e não existem trevas sem um pingo de luz. Como a gente saberia decifrar o que é vermelho, se morássemos num mundo azul? Dessa forma, não existe Vida sem a Morte.
O “mal” e o “bem” são questões de pontos de vista, assim como a Verdade. Podemos ser pessoas boas, mas as vezes podemos agir de má fé, podemos fazer ou falar algo que seria posto como “errado” pela maior parte da sociedade. Assim como podemos ser pessoas desprezíveis, mas que uma hora se passa por bonzinho por um ou dois atos momentâneos. Ninguém é inteiramente bom, nem inteiramente mal.
Como eu disse antes, a questão é igual com a Morte do tarô: as pessoas tem medo de fazer uma faxina na sua vida, pois podem acabar indo para o lixo coisas ou pessoas com as quais ainda somos muito apegados e julgamos importantes. O que não entendemos é que isso atrapalha nosso rendimento nesse mundo.
TUDO BEM, MAS MESMO ASSIM, PORQUE EU DEVERIA ENTRAR EM CONTATO COM ELA?
Você não deve nada, jovem gazebo. Nenhum de nós é obrigado a nada, fazemos as coisas por livre e espontânea vontade. Aqui, estou apenas apontando a importância de se conhecer e de saber seus próprios limites.
Tenho certeza de que não foram poucas as vezes em que você, telespectador, viu sua vida ser virada do avesso e ficar pendurada de ponta-cabeça. Chega um momento em que você se pergunta: “Meu Deus!! Como as coisas foram parar assim?!”. Ora, você apenas passou um momento negro, ou momento de recolhimento e recapitulação dos fatos; uma época feita pra gente parar e respirar fundo. Nesse fundo de poço que, mais cedo ou mais tarde, todos nós chegamos – alguns ficam dias, outros meses e até mesmo, anos! – dizemos que você estava num momento transitório, um momento de mudança total e brusca. Como eu disse antes, ninguém gosta de perder, ainda mais quando são coisas que julgamos importantes para nós. Mas é preciso. Nossa vida é como as estações do ano: temos o nosso período de primavera, de outono, verão, e as vezes passamos pelo inverno. Para o nosso crescimento, para o nosso desprendimento, para que possamos caminhar adiante. E as Deusas Negras são expert nisso, pois elas trabalham com essa energia.
Também é importante dizer que nós não somos feitos apenas de luz. Sim, somos seres de luz que estamos aqui a favor da paz e do amor, mas não esqueçamos que somos Ying-Yang. Nada melhor pra explicar isso que contar com a ajuda de uma lenda indígena:
Um velho cherokee dava lições de vida aos seus netos. Disse-lhes:
“Está se travando uma luta dentro de mim. Luta terrível, entre dois lobos.
Um é o medo, a cólera, a inveja, a tristeza, o remorso, a arrogância a auto-piedade, a culpa, o ressentimento, a inferioridade e a mentira.
O Outro é a paz, a esperança, o amor, a alegria, a delicadeza, a benevolência, a amizade, a empatia, a generosidade, a verdade, a compaixão e a fé.
A mesma luta está se travando dentro de vocês e de todas as outras pessoas…”
As crianças puseram-se a refletir sobre o assunto e uma delas perguntou ao avô: ” Qual dos lobos vencerá?”
O ancião respondeu:
” Aquele que for alimentado…”
Explicando: todos nós temos luz e sombras dentro da nossa alma, a diferença está em quem vai ganhar.
Entretanto, não é sábio nem viável ignorar totalmente o nosso lado obscuro, nem aprisiona-lo a 7 chaves. Prendendo uma fera, é assim que a deixamos brava.
Entrar em contato com a nossa parte sombria é uma questão de autoconhecimento, de saber até onde vamos, do que somos capazes de fazer, e até de descobrir dons e encantos que não sabíamos existir. É descer até a mais profunda cratera já conhecida, embrenhar-se na escuridão, e sair de lá mais sábio e forte do que nunca.
A parte escura da Deusa é sedução, é poder, é força, é independência. É ira, inveja, gula, desejo de vingança, libido. É o agir sem escrúpulos, com impulsividade. É o instinto de sobrevivência gritando mais alto, é o êxtase, é insanidade. Conhecer a si mesmo é importante, para que nunca ocorra aquele “não sei o que aconteceu, quando eu vi, já tinha feito”. É o instinto da mulher de ficar por cima, de dominar, de ser dona do próprio nariz, de ser bela sem ficar apegada a conceitos velhos de que a mulher “é um ser imundo, pois contém o pecado da carne”. De fazer o que quiser sem precisar dar satisfação a ninguém.
São muitas as Deusas Negras que cercam esse mundo. Aqui, eu já apresentei Hécate para vocês, ainda temos uma longa jornada juntos nesse mundão de meu Deus. Agora que já falei e falei sem parar, vamos a uma pequena parte prática da coisa. Vou lhes passar um ritual de meditação, para se encontrar com a Deusa ou Deus Negro dentro de você.
“Primeiramente, esteja num ambiente confortável, com pouca ou nenhuma luz. Senta-se ou deite-se confortavelmente, tendo certeza de que não será interrompido nem dormirá durante o processo.
Veja-se numa trilha no meio de uma floresta escura, ao seu lado você encontra um lampião. Carregue-o consigo e siga o seu caminho, que à medida que você avança, fica mais e mais escuro, como se o sol estivesse se pondo rapidamente.
Logo, você encontra a entrada de uma caverna. Deixe o lampião do lado de fora, pois você precisa prosseguir com coragem. Você dá o primeiro passo para dentro da caverna: se do lado de fora já estava escuro, ali dentro você mal enxerga o caminho. Cada passo, você avança mais e mais na escuridão, já não enxerga dois palmos na sua frente. Você estica as mãos para poder encontrar o caminho; você precisa confiar nos seus outros sentidos.
Em determinado momento, você topa com uma parede lisa e gelada, que você percebe ser um espelho de corpo inteiro. Por mais que você tateie as paredes ao seu redor, você apenas conta com o espelho à sua frente e a volta, logo atrás de si.
Fixe os olhos no espelho; mesmo com a escuridão absoluta, você vê um vulto percorrendo-o. Não tenha medo nem saia correndo. Logo, o vulto tomará formas, e você reconhecerá alguém naquele espelho: quem é? Qual Deusa ou Deus Negro que está se apresentando, como um reflexo de você mesmo? Qual é a sua sombra?
Quando estiver pronto para deixar a caverna, apenas gire sob os seus calcanhares, agradecendo a presença que esteve com você hoje, e saia sem pressa ou medo, mas com a cabeça erguida e com a mesma coragem que precisou ter para entrar aqui hoje.”
Espero que tenham gostado, e que o ritmo não tenha ficado cansativo ou tedioso demais!
Nos vemos na próxima!
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